O quê? Pra quê? Por quê? Como?

Caro aluno, aproveite ao máximo os recursos deste espaço. Por aqui você encontrará os textos trabalhados em sala e muitos outros, além de poesias, músicas, links e imagens que se relacionam com sua preparação. Pelo "Organon (Aulas)", é possível que você organize o seu passeio por temas. Caso tenha alguma dificuldade com os textos, pesquise nos links anexados ao nosso Blog (Enciclopédia Filosófica, Wikipédia etc.). Em persistindo a questão, poste um comentário, que, se for possível, responderei. Se a resposta não vier, a gente se fala em sala... Visite sempre que possível este cafofo virtual, e contribua com sugestões quando puder...
Adiposo abraço.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Lógica da Argumentação (Conteúdo)

Blog Oficina de Filosofia
de Gustavo Bertoche
Lógica = proposições e argumentos; premissas e conclusão
A lógica é o estudo do raciocínio correto e da argumentação. O objeto da lógica é o argumento.

O QUE É UM ARGUMENTO?
Um argumento é uma seqüência de proposições divididas em Premissas e Conclusão.
Ex.: Todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal.

O QUE É UMA PROPOSIÇÃO?
Uma proposição é uma construção frasal com sentido completo e valor de verdade.
Ex.: Todo homem é mortal.

O QUE SÃO PREMISSAS E CONCLUSÃO?
As premissas são as proposições que, num argumento, defendem, justificam, apóiam, explicam a conclusão. Ex.: Todo homem é mortal. Sócrates é homem.
A conclusão é a proposição que, num argumento, é defendida, justificada, apoiada, explicada pelas premissas. Ex.: Logo, Sócrates é mortal.

Todo argumento é composto por uma ou mais premissa e uma, e apenas uma, conclusão.

Argumentos dedutivos e argumentos indutivos
Os argumentos podem ser de dois tipos: dedutivos ou indutivos.

Argumentos dedutivos são aqueles que relacionam proposições num plano estritamente racional, sem recorrer necessariamente a proposições empíricas. Popularmente, diz-se que argumentos dedutivos conduzem o pensamento do plano do geral ao plano do particular. Essa afirmação não está totalmente correta: o que define o argumento dedutivo é que ele é um argumento que permanece no plano da lógica, não tem necessidade da experiência. Ex.: O argumento acima.

Argumentos indutivos são aqueles que relacionam a experiência com a razão. Relacionam proposições universais com proposições empíricas particulares. Os argumentos indutivos podem ser construídos por generalização ou por previsão. Ex.: Coloquei o dedo na tomada e levei um choque. Mariazinha colocou o dedo na tomada e também tomou um choque. Logo, qualquer um tomará choque ao colocar o dedo na tomada.

Não importa a ordem das proposições: um argumento que só use a lógica é um argumento dedutivo, um argumento que relacione proposições particulares experimentais com uma proposição geral, por meio da generalização ou da previsão, é um argumento indutivo.

Proposições podem ser verdadeiras ou falsas, dependendo da adequação da proposição com a realidade. Proposições nunca são válidas nem invalidas. Argumentos dedutivos podem ser válidos ou inválidos, dependendo da correção de sua forma lógica. Argumentos nunca são verdadeiros ou falsos. Argumentos indutivos podem ser mais prováveis ou menos prováveis, dependendo do grau de possibilidade que se pode ter a partir da generalização ou da previsão que ocorre por meio da enumeração dos elementos que permitem a construção da indução. Argumentos indutivos nunca são verdadeiros ou falsos nem válidos ou inválidos.

O problema da indução
David Hume, filósofo do século XVIII, introduziu na filosofia o chamado problema da indução. Hume percebeu que tanto nossa vida cotidiana quanto a ciência está baseada em induções. Contudo, por não ser um tipo de raciocínio exato, a indução não permite o grau de certeza que a dedução tem. Portanto, não se pode confiar nos argumentos indutivos, o que quer dizer que não se pode confiar na ciência ou nos nossos conhecimentos do dia-a-dia.

Texto 1:Pensamento Mítico e Logos

GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. p. 8-9

“O mito se opõe ao logos como a fantasia à razão, como a palavra que narra a palavra que demonstra. Logos e mito são as duas metades da linguagem, duas funções igualmente fundamentais da vida do espírito. O logos, sendo uma argumentação, pretende convencer. O logos é verdadeiro no caso de ser justo e conforme à lógica; é falso quando dissimula alguma burla secreta (sofisma) Mas o mito tem por finalidade apenas a si mesmo. Acredita-se ou não nele conforme a própria vontade, mediante um ato de fé, caso pareça “belo” ou verossímil, ou simplesmente porque se quer acreditar. O mito, assim, atrai em torno de si toda a parcela do irracional existente no pensamento humano; por sua própria natureza, é aparentado à arte, em todas as suas criações.

Texto 2: Alegoria da Caverna (Introdução)

Platão, A República
“Sócrates: Agora imagina a nossa natureza, segundo o grau de educação que ela recebeu ou não(...).Imagina, pois homens que vivem em uma espécie de morada subterrânea em forma de caverna. A entrada se abre para a luz, em toda a largura da fachada. Homens estão no interior, desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagina que esse caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram as marionetes e apresentam o espetáculo. Glauco: Entendo.
Sócrates: Então ao longo desse pequeno muro, imagina homens que carregam todo o tipo de objetos fabricados, ultrapassando a altura do muro, estátuas de homens, figuras de animais, de pedra, madeira ou qualquer outro material. Provavelmente entre os carregadores que desfilam ao longo do muro, alguns calam outros se calam.
Glauco: Estranha descrição e estranhos prisioneiros!
Sócrates: Eles são semelhantes a nós. Primeiro, pensas, que, que na situação deles, eles tenham visto algo mais do que sombras de si mesmos e dos vizinhos, que o fogo projeta na parede da caverna à sua frente?” (...) Então se eles pudessem conversar, não achas que, nomeando as sombras que vêem, pensariam nomear seres reais? Glauco: Evidentemente.
Sócrates: Assim sendo, os homens que estão nessas condições não poderiam considerar nada como verdadeiro, a não ser as sombras dos objetos. Glauco:Sim, por Zeus.Não poderia ser de outra forma.

Texto 3: Alegoria da Caverna (Contada por Marilena Chauí)

Marilena Chauí, Convite à Filosofia

"Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele adentraria.

Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida, não vira senão sombras de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora está contemplando a própria realidade. Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los.

Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas, quem sabe, alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidissem sair da caverna rumo à realidade.

O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luz exterior do sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das idéias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A dialética. O que é a visão do mundo real iluminado? A filosofia. Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo (Platão está se referindo à condenação de Sócrates à morte pela assembléia ateniense?) Porque imaginam que o mundo sensível é o mundo real e o único verdadeiro.”

Texto 4: Usos da razão.

Aristóteles, Metafísica

“Uma vez que estamos estudando o conhecimento, devemos examinar o que são essas causas e princípios cujo o conhecimento constitui Sabedoria. Talvez fique mais claro se considerarmos as opiniões que temos sobre o homem sábio. Achamos, primeiro, que o homem sábio sabe todas as coisas, na medida do possível, sem ter ciência de cada uma delas individualmente; depois que o homem sábio é aquele que consegue compreender coisas difíceis, aquelas que não são fáceis para a compreensão humana(pois a percepção sensorial, sendo comum a todos, é fácil e nada tem a ver com a Sabedoria); e, por fim, que em todo ramo de conhecimento um homem é mais sábio na medida que está mais bem informado e é mais capaz de expor suas causas. Além disso, entre as ciências consideramos que aquela que é desejável por si mesma e pelo bem do conhecimento está mais próxima da Sabedoria do que aquela que é desejável por seus resultados, e que o superior é mais próximo da Sabedoria que o subsidiário; pois o homem sábio deve dar ordens, não recebê-las; também não deve obedecer aos outros, mas ser obedecido pelos menos sábios”.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Do Senso Comum ao Senso Crítico - O caminho da Filosofia

Bem, meus caros, esses textos abaixo, cada um a sua forma, contribuem para que nós compreendamos melhor a natureza do pensamento filosófico. Eles estão dispostos de forma a que você perceba o quanto a Filosofia é algo vivo e necessário ao cotidiano. No entanto, em nosso contexto social e político, há muitas barreiras que são interpostas ao movimento da reflexão filosófica. Para estudar Filosofia com profundidade, é importante que nós saibamos detectar, no nosso cotidiano, os movimentos que nos engessam a capacidade de pensar. Sem isso, não é possível filosofar, e nem muito menos passar no vestibular. Ao conjunto desses movimentos a Filosofia chama de Senso Comum ou dogmatismo. A reflexão filosófica se predispõe a superar essas amarras que nos impedem de ser ativamente críticos.

No primeiro texto, "Como funciona o Senso Comum?", mostramos as duas dimensões dogmáticas do Senso Comum: a epistemológica, que nos impede de conhecer as coisas e a vida numa perspectiva mais ampla, menos parcial, e a política, que faz com que sejamos controlados sem saber, assim como um ventríloco que não tem consciência de que seus movimentos não são autônomos.

No segundo, "A complicada arte de ver", Rubem Alves nos faz pensar sobre como vemos as coisas. Para ele, ver é muito mais do que um ato apenas do olho, de formação de uma imagem como um efeito apenas ótico. Nós também damos sentidos a essas imagens a partir do que aprendemos e vivemos. Para ele, então, assim como para a Filosofia, é essencial ampliarmos o olhar, multiplicarmos nossos pontos de vista.

Em "Pensar é transgredir", Lya Luft nos convida a refletir sobre como o pensamento precisa da liberdade, e o quanto a construção desta liberdade está associada à capacidade de nos reinventarmos. Para ela, não podemos apenas satisfazer o que esperam de nós. Precisamos transgredir algumas amarras sociais para construirmos essa autonomia.

Em seguida, no texto "Qual é o problema?", Stephen Kanitz faz uma reflexão a cerca da importância da pergunta para o processo de conhecimento. A partir da experiência narrada, Kanitz nos mostra por que perguntar-se é a unica maneira de pensar por si próprio.

Logo depois temos dois textos que falam sobre a filosofia, mas, desta vez, de uma forma mais acadêmica: "A Filosofia", que é resultado da compilação dos textos que estão na bibliografia, e "Pra que Filosofia?", um resumo que fiz do 1º Capítulo do livro "Convite à Filosofia", de Marilena Chauí. Esta autora é uma importante referência filosófica no Brasil. Tem que ler... Os dois textos são muito importantes, pois servem para arrumar essas impressões iniciais e auxiliar na formulação de conceitos.

Combinem a leitura destes textos com a do "Mito da Caverna", do Platão, cujo link ao lado possui o texto na ítegra e um comentário, e assista o primeiro vídeo da Série "Ser ou Não-Ser", apresentado pela filósofa Viviane Mosé (link também aqui no Dona Philó). Para finalizar, termine o estudo desta primeira parte com as definições de Filosofia feitas por diversos pensadores, que estão no final desta série de textos.

É essencial que você faça este percurso. Nosso tempo de aula é curto e, por isso, precisa ser complementado. Uma boa estratégia de estudo é, após cada leitura, sublinhar uma ou duas frases que você considere centrais no texto lido, e se perguntar o porquê delas. Responda a esses porquês com objetividade (em torno de 5 linhas). Assim você vai dando solidez a sua preparação.

domingo, 28 de setembro de 2008

Como funciona o Senso Comum?

Autores desconhecidos


DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA

Um homem tinha quatro filhos. Ele queria que seus filhos aprendessem a não julgar as coisas de modo apressado, e por isso, mandou cada um em uma viagem, para observar uma Pereira que estava plantada em um distante local.
O primeiro filho foi lá no Inverno, o segundo, na Primavera; o terceiro, no Verão, e o quarto e mais jovem, no Outono. Quando todos retornaram, ele os reuniu, e pediu que cada um descrevesse o que havia visto.
O primeiro filho disse que a árvore era feia, torta e retorcida. O segundo filho disse que não, que ela era recoberta de botões verdes, e cheia de promessas. O terceiro filho discordou; disse que ela estava coberta de flores, que tinham um cheiro tão doce e eram tão bonitas, que ele arriscaria dizer que eram a coisa mais graciosa que ele jamais tinha visto. O último filho discordou de todos eles; disse que a árvore estava carregada e arqueada, cheia de frutas, vida e promessas...
O homem então explicou a seus filhos que todos eles estavam certos, mas que cada um havia visto apenas uma estação da vida da árvore... Ele falou que não se pode julgar uma árvore, uma pessoa, um sentimento ou um pensamento, por apenas uma estação, e que a compreensão da essência das coisas, do prazer, da alegria e do amor que delas emana, só podem apenas ser medidos ao final, quando todas as estações estão completas.

DIMENSÃO POLÍTICA

Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula, em cujo centro puseram uma escada e, sobre ela, um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jato de água fria nos que estavam no chão. Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancada.
Passado mais algum tempo, mais nenhum macaco subia a escada, apesar da tentação das bananas. Então, os cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela sendo rapidamente retirado pelos outros, que lhe bateram. Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo não subia mais a escada. Um segundo foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo primeiro substituto participado, com entusiasmo, na surra ao novato. Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o fato. Um quarto e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído.
Os cientistas ficaram, então, com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam a bater naquele que tentasse chegar às bananas. Se fosse possível perguntar a algum deles por que batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria: "Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui..."

A complicada arte de ver

Rubem Alves

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões — é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."
Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.
William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.
Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa — garrafa, prato, facão — era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".
A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas — e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.
Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".
Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...

Pensar é transgredir

Lya Luft

Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos, para não morrermos soterrados na poesia da banalidade, embora pareça que ainda estamos vivos. Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos, convém não ser demais fútil nem demais acomodada. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos chifres, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido.
Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo. Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência : isso, mais ou menos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero me tornar ou já fui. Muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Mais cômodo seria ficar com o travesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante : "Parar pra pensar, nem pensar !"
O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar. Pode ser no meio do shopping, no trânsito, na frente da tevê ou do computador. Simplesmente escovando os dentes. Ou na hora da droga, do sexo sem afeto, do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação.
Sem ter programado, a gente pára pra pensar. Pode ser um susto: como espiar de um berçário confortável para um corredor com mil possibilidades. Cada porta, uma escolha. Muitas vão se abrir para um nada ou para algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas. Alguma, para a noite além da cerca. Hora de tirar os disfarces, aposentar as máscaras e reavaliar : reavaliar-se .
Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto. Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações, corremos de um lado a outro achando que somos grandes cumpridores de tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar: quem a gente é, o que fazemos com a nossa vida, o tempo, os amores. E com as obrigações também, é claro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado no urso de pelúcia e prosseguir no sono, o sonho que afinal nessa idade ainda é a vida.
Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar. Compreender: somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo. Se nos escondemos num canto escuro abafando nossos questionamentos, não escutaremos o rumor do vento nas árvores do mundo. Nem compreenderemos que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos. Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e possibilidades de quem vai tecendo a sua história. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.
Viver, como talvez morrer, é recriar-se : a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada.
Parece fácil: "escrever a respeito das coisas é fácil", já me disseram. Eu sei. Mas não é preciso realizar nada espetacular, nem desejar nada excepcional. Não é preciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado. Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança. Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade.
Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for. E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer.

Qual é o problema?

Stephen Kanitz
(administrador por Harvard)

Um dos maiores choques de minha vida foi na noite anterior ao meu primeiro dia de pós-graduação em administração. Havia sido um dos quatro brasileiros escolhidos naquele ano, e todos nós acreditávamos, ingenuamente, que o difícil fora ter entrado em Harvard, e que o mestrado em si seria sopa. Ledo engano.

Tínhamos de resolver naquela noite três estudos de caso de oitenta páginas cada um. O estudo de caso era uma novidade para mim. Lá não há aulas de inauguração, na qual o professor diz quem ele é e o que ensinará durante o ano, matando assim o primeiro dia de aula. Essas informações podem ser dadas antes. Aliás, a carta em que me avisaram que fora aceito como aluno veio acompanhada de dois livros para ser lidos antes do início das aulas. O primeiro caso a ser resolvido naquela noite era de marketing, em que a empresa gastava boas somas em propaganda, mas as vendas caíam ano após ano. Havia comentários detalhados de cada diretor da companhia, um culpando o outro, e o caso terminava com uma análise do presidente sobre a situação. O caso terminava ali, e ponto final. Foi quando percebi que estava faltando algo. Algo que nunca tinha me ocorrido nos dezoito anos de estudos no Brasil. Não havia nenhuma pergunta do professor a responder. O que nós teríamos de fazer com aquele amontoado de palavras? Eu, como meus quatro colegas brasileiros, esperava perguntas do tipo "Deve o presidente mudar de agência de propaganda ou demitir seu diretor de marketing?". Afinal, estávamos todos acostumados com testes de vestibular e perguntas do tipo "Quem descobriu o Brasil?". Harvard queria justamente o contrário. Queria que nós descobríssemos as perguntas que precisam ser respondidas ao longo da vida. Uma reviravolta e tanto.

Eu estava acostumado a professores que insistiam em que decorássemos as perguntas que provavelmente iriam cair no vestibular. Adorei esse novo método de ensino, e quando voltei para dar aulas na Universidade de São Paulo, trinta anos atrás, acabei implantando o método de estudo de casos em minhas aulas. Para minha surpresa, a reação da classe foi a pior possível."Professor, qual é a pergunta?", perguntavam-me. E, quando eu respondia que essa era justamente a primeira pergunta a que teriam de responder, a revolta era geral: "Como vamos resolver uma questão que não foi sequer formulada?". Temos um ensino no Brasil voltado para perguntas prontas e definidas, por uma razão muito simples: é mais fácil para o aluno e também para o professor. O professor é visto como um sábio, um intelectual, alguém que tem solução para tudo. E os alunos, por comodismo, querem ter as perguntas feitas, como no vestibular. Nossos alunos estão sendo levados a uma falsa consciência, o mito de que todas as questões do mundo já foram formuladas e solucionadas. O objetivo das aulas passa a ser apresentá-las, e a obrigação dos alunos é repeti-las na prova final. Em seu primeiro dia de trabalho você vai descobrir que seu patrão não lhe perguntará quem descobriu o Brasil e não lhe pagará um salário por isso no fim do mês. Nem vai lhe pedir para resolver "4/2 = ?". Em toda a minha vida profissional nunca encontrei um quadrado perfeito, muito menos uma divisão perfeita, os números da vida sempre terminam com longas casas decimais. Seu patrão vai querer saber de você quais são os problemas que precisam ser resolvidos em sua área. Bons administradores são aqueles que fazem as melhores perguntas, e não os que repetem suas melhores aulas.

Uma famosa professora de filosofia me disse recentemente que não existem mais perguntas a ser feitas, depois de Aristóteles e Platão. Talvez por isso não encontramos solução para os inúmeros problemas brasileiros de hoje. O maior erro que se pode cometer na vida é procurar soluções certas para os problemas errados. Em minha experiência e na da maioria das pessoas que trabalham no dia-a-dia, uma vez definido qual é o verdadeiro problema, o que não é fácil, a solução não demora muito a ser encontrada. Se você pretende ser útil na vida, aprenda a fazer boas perguntas mais do que sair arrogantemente ditando respostas. Se você ainda é um estudante, lembre-se de que não são as respostas que são importantes na vida, são as perguntas.

A Filosofia



Todas as palavras que usamos tem uma história, tem um significado que está na sua raiz. O mesmo acontece com a palavra Filosofia. Tem um significado e uma história. A origem da palavra filosofia é grega. Surgiu na antiga Civilização Grega. Os historiadores da filosofia dizem que foi o filósofo e matemático Pitágoras (V a . C.) que a usou pela primeira vez.

Observe a composição da palavra filosofia:

FILOSOFIA = PHILOS + SOPHIA = amor pelo saber, amizade à sabedoria, busca do saber

PHILOS = amizade, amor
SOPHIA = sabedoria
SOPHÓS = sábio

A própria origem da palavra Filosofia nos revela o caráter essencial deste campo do saber. Filosofia, mais do que um determinado conjunto de idéias, uma determinada doutrina, é como diz o filósofo Ludwig Wittgenstein, uma atitude.
A atitude verdadeiramente filosófica se instaura a partir da postura do filósofo em relação ao conhecimento. O filósofo não pretende ser o mais sábio de todos, nem ser o dono da verdade. e esta for a sua pretensão, deixa de ser filósofo. Torna-se uma pessoa dogmática, e o ogmatismo é o oposto da filosofia.

Pitágoras já nos alertou que o saber definitivo pertence aos deuses e não aos homens. O filósofo é aquele que está em uma constante busca do saber mas tendo consciência que nunca poderá chegar a um termo final. O filósofo existencialista Jaspers no seu livro "Introdução á filosofia" afirma que a essência da filosofia é a procura do saber e não a sua posse. Fazer filosofia é estar a caminho. As perguntas são mais importantes que as respostas. Cada resposta transforma-se numa nova pergunta.

Na atitude filosófica há uma grande humildade que se opõe ao orgulhoso dogmatismo do fanático. O fanático é aquele que se julga possuidor da verdade. Desta forma, não sentindo necessidade de pesquisa e investigação quer impor sua verdade a outra pessoa. A verdade, então, se torna sua propriedade enquanto para o verdadeiro filósofo é uma exigência. O fanático se acredita proprietário da certeza ao passo que o filósofo faz todos os esforços para ser peregrino da verdade.

A humildade filosófica nos faz reconhecer que a verdade não pertence nem a mim nem a ti, simplesmente está diante de nós.

"Assim a consciência filosófica não é uma consciência feliz, satisfeita com a posse de um saber absoluto, nem uma consciência infeliz presa das torturas de um ceticismo irremediável. Ela é uma consciência inquieta, insatisfeita com o que possui, mas à procura de uma verdade para a qual se sente talhada."
(Huisman, Denis e Vergez, A . A ação. 2ª edição. v. 1 pág. 24)

Vivenciar a filosofia enquanto atitude é afirmar junto como o filósofo grego Sócrates: "Sei que nada sei". Filosofia enquanto atitude se manifesta, como afirmavam os filósofos gregos, em espanto e admiração. Tomamos distância do nosso mundo, através de nosso pensamento, olhando-o como se nunca o tivéssemos visto antes, como se não tivéssemos tido família, amigos, professores, livros e outros meio de comunicação que nos tivessem dito o que o mundo é; como se estivéssemos acabando de nascer para o mundo e para nós mesmos e precisássemos perguntar o que é, por que é e como é o mundo, e precisássemos perguntar também o que somos, por que somos e como somos.

Podemos sintetizar as atitudes filosóficas da seguinte forma:

1. QUESTIONAR

Todo filósofo deve:
- ser curioso, perguntar a si mesmo e aos outros sobre tudo o que está ao nosso redor.
- questionar as afirmações sobre a realidade.
- interessar-se pelas coisas e pensar sobre elas.
- suspeitar do que parece à primeira vista muito evidente como os costumes, crenças, a natureza etc..

Um exemplo relacionado às crenças: em uma briga, uma determinada pessoa pode chamar o outro de mentiroso. E isto porque, segundo ela, não estaria apresentando os fatos da forma como aconteceram. Há a crença de que há diferença entre verdade e mentira. A primeira revela as coisas tais como são. Já a segunda, faz o contrário distorcendo a realidade. Uma atitude não filosófica não questionaria estas crenças. Porém o filósofo perguntaria: o que é a verdade? O que é o falso? O que é o erro? O que é a mentira? Quando existe verdade e por quê?

Então ser filósofo é ter a atitude de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nosso cotidiano. Este questionamento revela que a primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, dizer não ao senso comum, às crenças do cotidiano. Já a segunda característica é positiva, isto é, uma interrogação sobre o que são as coisas as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos.

Mas é essencial também dizer sim, construir caminhos efetivos de reflexão. E o segundo passo, então, constitui-se pela reflexão em torno do que são as coisas, pensamentos e valores, de como tudo isso se constitui, porque é de um jeito e não de outro e para que serve.

Eis as interrogações fundamentais da filosofia: O QUE É? COMO É? POR QUE É? PRA QUE EXISTE?

O próprio pensamento não escapa destas perguntas. Fazendo perguntas sobre todas as coisas do mundo, o filósofo acaba se voltando para o próprio pensamento perguntando: o que é o pensar, como é pensar, por que há o pensar. É o pensamento interrogando-se a si mesmo.

2. INVESTIGAR

Todo filósofo deve:
- Buscar respostas para as questões e os problemas, examinar e comparar essas respostas, buscar as conclusões mais satisfatórias. As próprias perguntas que fazemos devem ser questionadas para ver se são realmente boas e se vale a pena investigá-las.
- Formular hipóteses, comparar e examinar as alternativas, estabelecer critérios para julgar e classificar as opções, buscar princípios a partir dos quais podemos explicar as coisas.

3. AMPLIAR

Todo filósofo deve:
- buscar a visão mais ampla possível do assunto. Deve incluir na sua avaliação muitas coisas para ter uma visão profunda do problema.
- Considerar maneiras alternativas de ver a realidade. Manter-se aberto a novas visões de mundo, cultivar o gosto pela diversidade.
- Procurar saber o que já é conhecido, levar em conta como e por que aquele conhecimento foi elaborado e se ainda pode nos ser útil.
- Imaginar novas possibilidades, desenvolver ideais e contrastá-los com a realidade. Perguntar-se de que modo a imaginação pode se transformar em realidade.

CONCLUSÃO

É com a vivência da filosofia enquanto atitude que nós podemos chegar a ter as nossas próprias concepções filosóficas, a nossa própria filosofia. Se o estudo da História da Filosofia é uma parte importantíssima na formação do filósofo, a Filosofia não pode se restringir a este. O aluno precisa ter a oportunidade de vivenciar a filosofia enquanto atitude em sala de aula. Friedrich Nietzsche, filósofo alemão nascido em 1844 e morto em 1900, nos esclarece sobre esta necessidade:

"A história erudita do passado nunca foi a ocupação de um filósofo verdadeiro, nem na Índia nem na Grécia; e o professor de filosofia, ao se ocupar com um trabalho dessa espécie, tem de aceitar que se diga dele, no melhor dos casos: é um competente filólogo, antiquário, conhecedor de línguas, historiador - mas nunca é um filósofo..."
( citado por Rosa Maria Dias in: Nietzsche Educador. Pág. 107)

Segundo ele, essa excessiva valorização da história levava à morte as novas idéias, que ainda não tinham recebido o selo da consagração. Isto não significa que não se deve estudar as idéias dos diversos filósofos ( Nietzsche não propõe isto), mas estas devem nos auxiliar a ter o nossas próprias idéias filosóficas, a fazermos experiências do filosofar a partir da atitude filosófica.

Novamente Nietzsche reafirma a importância da filosofia enquanto atitude com esta afirmação:

"paga-se mal a um mestre, quando se continua sempre a ser apenas o aluno. E por que não quereis arrancar minha coroa de louros? Vós me venerais, mas, e se um dia vossa veneração desmoronar? Guardai-vos que não vos esmague uma estátua!.... Ainda não vos havíeis procurado: então me encontrastes. Assim fazem todos os crentes, por isso importa tão pouco toda crença. Agora vos mando me perderdes e vos encontrardes; e somente quando me tiverdes todo renegado eu retornarei a vós..."
(Nietzsche, Friedrich. Obras Incompletas, p. 375)
INTERPRETAÇÃO E QUESTIONAMENTO - Uma última observação

Se a atitude filosófica se revela através de um questionamento e investigação constantes, tal postura vale também para as diversas correntes filosóficas e para a nossa própria posição filosófica. A atitude filosófica questiona o próprio pensar filosófico, como ele se manifestou na história e como ele se manifesta hoje. O questionamento sobre as diversas coisas da realidade levam o filósofo a determinadas concepções que não são as mesmas de outro, mesmo que estejam refletindo sobre um mesmo objeto.

Mas o interessante é que o questionamento que fazemos a determinada coisa, inclusive uma corrente filosófica, já implica em uma interpretação nossa que, com certeza, pode ser também questionada. A própria interpretação já traz em si uma questão filosófica. Na interpretação, onde está a verdade sobre a coisa que está sendo interpretada e as concepções próprias daquele que interpreta? É possível questionar a partir do nada, com uma neutralidade absoluta? Ou toda interpretação já traz as concepções do intérprete, já traz o contexto histórico em que ele vive, já traz as perguntas de seu tempo que pretende responder à partir de concepções do passado?

Por isso, a luta contra o dogmatismo tem centralidade para o campo filosófico. Todo julgamento, por mais verdadeiro que pareça, nunca pode ser considerado irrefutável, pois estará sempre sustentado pelas concepções de vida de quem o fez e pelo momento histórico e social em que foi produzido. Somos seres históricos.

Vamos a um exemplo prático disto para o estudo da Filosofia:

O filósofo grego Sócrates não deixou nada escrito. Sua filosofia era de base dialógica. Ele gostava de filosofar conversando com as pessoas nos espaços públicos de Atenas. Seu pensamento chegou a nós através de relatos de outros filósofos, principalmente através dos diálogos escritos por Platão, seu principal discípulo.

Ou seja, cabe-nos perguntar: como é possivel separar a filosofia de Sócrates daquilo que outros filósofos, como Platão, julgam ser a filosofia deste filósofo? O que é de Sócrates, o que é do intérprete?

O que o historiador A . E. Taylor afirma a respeito dos dilemas do biógrafo serve para todo intérprete:

"A vida de um grande homem, particularmente quando ele pertence a uma época remota jamais pode ser o mero registro de fatos indiscutíveis. Mesmo quando tais fatos são abundantes, a verdadeira tarefa do biógrafo consiste em interpretá-los; deve penetrar, além dos simples eventos, no propósito e no caráter que eles revelam, o que só consegue fazer mediante um esforço de imaginação construtiva"
(citado por José Américo Motta Pessanha In: Sócrates. Coleção os Pensadores, pág. XI).

Este é um dos dilemas da Filosofia e de todas as áreas do saber. Mas este fato não nos deve fazer desanimar. Tudo isto só comprova que o conhecimento da realidade está intrinsecamente vinculado ao sujeito que conhece e às suas concepções.

Dentre outras coisas, esta constatação filosófica revela o gênio criador do homem. As manifestações positivas deste comportamento criativo estão presentes por todo canto ajudando o homem a se conhecer melhor, a ter um mundo melhor, a ter uma melhor resposta (mesmo que não definitiva) para as suas angústias e anseios.
AGORA, É O MOMENTO DE VOCÊ FAZER AS SUAS PRÓPRIAS REFLEXÕES

Sublinhe algumas frases que você considera centrais para a compreensão do texto e as explique cada uma delas num texto curto de no máximo 5 linhas.


BIBLIOGRAFIA

GALLO, SÍLVIO. Ética e Cidadania - Caminhos da Filosofia. Papirus Editora. 1997. São Paulo
SÁTIRO, ANGÉLICA e WUENSCH, ANA MIRIAM. Pensando melhor - Iniciação ao filosofar. Editora Saraiva. 1997. São Paulo
CHAUÍ, MARILENA. Convite á Filosofia. Editora Ática. 1994. São Paulo
EDUARDO PRADO DE MENDONÇA. O mundo precisa da filosofia. Rio de Janeiro, Agir, 1968
NIETZSCHE, FRIEDRICH. Obras Incompletas. São Paulo, Abril, 1974, Coleção "Os Pensadores"
DIAS, ROSA MARIA. Nietzsche educador. Editora Scipione. 1991. São Paulo
PESSANHA, JOSÉ AMÉRICO MOTTA. Sócrates. Editora Nova Cultural. Coleção "Os Pensadores". São Paulo. 1987

Pra que Filosofia?

Livro CONVITE À FILOSOFIA
(Resumo do 1º Capítulo)
Marilena Chauí
Então, o que é Filosofia e pra que ela serve?
Uma primeira resposta à pergunta: “O que é Filosofia?” poderia ser: A decisão de não aceitarmos como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos, as crenças e as opiniões. Ou seja, a decisão de duvidarmos do Senso Comum.
Certa vez, perguntaram a um filósofo: “Pra que Filosofia?”. Ele respondeu: “Para não darmos aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações.

A Atitude Filosófica (ou Senso Crítico)
Imaginemos alguém que tomasse a decisão de fazer perguntas inesperadas como, por exemplo, em vez de “que horas são?”, “O que é Tempo?”, ou, em vez de gritar “Mentiroso!”, questionasse-se sobre “o que é a verdade” ou “o que é a falsidade”. Ou ainda, se ao invés de exclamar: “Onde há fumaça, há fogo...”, perguntasse-se “o que é a causa?” ou “O que é o efeito?”. Se, em vez de xingar alguém de desonesto, avaliasse “o que é um valor moral”. Ou mesmo se perguntasse “O que é o desejo?”, ao invés de dizer: “Eu quero isso!”.

Em todos esses casos, essa pessoa estaria tomando distância da vida cotidiana e de si mesma. Teria passado a indagar o que são as crenças, as opiniões e os sentimentos que, silenciosamente, alimentam a nossa existência.

Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesma, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos sentimentos. Esse alguém estaria começando a adotar o que chamamos de Atitude Filosófica ou Senso Crítico.

As duas fases da Atitude Filosófica

1ª) ATITUDE CRÍTICA
A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, um dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juizos, às crenças, opiniões e idéias da experiência cotidiana, ao que todo mundo diz e pensa, enfim, ao estabelecido. Por isso, o patrono da Filosofia, o grego Sócrates, afirmava que a primeira grande verdade filosófica é dizer para si mesmo: “Só sei que nada sei”. Isto mostra o quanto é importante para a Filosofia que nós nos comportemos o tempo todo como aprendizes.

2ª) PENSAMENTO CRÍTICO
O segundo momento da Atitude Filosófica, o Pensamento Crítico, é positivo. Nele, nos perguntamos sobre O que são as coisas ou idéias, por que elas são como são e como é possível elas serem assim, e não de outra maneira. Ou seja, o pensamento filosófico estrutura-se através dessas 3 perguntas (O quê?, Por quê e Como?) para investigar as questões que se apresentam para nós, em nossa vida cotidiana.

- Através do “O QUÊ?” desvendamos a realidade ou natureza de qualquer coisa, idéia ou valor, ou seja, o seu conteúdo.
- Através do “POR QUÊ?” a Filosofia pergunta-se sobre a origem de algo ou pelas causas que a formaram.
- Através do “COMO?” procuramos desvendar a estrutura e as relações que constituem as coisas, idéias ou valores.

REFLEXÃO
A Atitude Filosófica inicia-se dirigindo essas indagações ao mundo que nos rodeia e às relações que mantemos com ele. Pouco a pouco, porém, descobre-se que estas questões se referem, afinal, à nossa capacidade de conhecer, à nossa capacidade de pensar.

Por isso, pouco a pouco, as perguntas da Filosofia se dirigem ao próprio pensamento: o que é pensar, como pensar, por que há o pensar? A Filosofia torna-se, então, o pensamento interrogando-se a si mesmo. Por ser uma volta que o pensamento dá sobre si mesmo, a Filosofia realiza-se como reflexão.

sábado, 27 de setembro de 2008

Definições de Filosofia, por alguns filósofos...

ARISTÓTELES (384 a . C. - 322 a . C.) - "A admiração sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens começaram a filosofar: a princípio, surpreendiam-se com as dificuldades mais comuns; depois, avançando passo a passo, tentavam explicar fenômenos maiores, como, por exemplo, as fases da lua, o curso do sol e dos astros e, finalmente, a formação do universo. Procurar uma explicação e admirar-se é reconhecer-se ignorante." (citado por Sílvio Gallo. In: Ética e Cidadania - Caminhos da Filosofia. Pág. 22)

EPI CURO (341 a . C. - 270 a . C.) - "Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem o canse fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz." (op. cit. pág.22)

FRIEDRICH NIETZSCHE (1844-1900) - "...filosofia, tal como até agora a entendi e vivi, é a vida voluntária no gelo e nos cumes - a busca de tudo o que é estranho e questionável no existir, de tudo o que a moral até agora baniu." (op. cit. pág.22)

EDMUND HUSSERL (1859-1938) - "O que pretendo sob o título de filosofia, como fim e campo de minhas elaborações, sei-o naturalmente. E contudo não o sei... Qual o pensador para quem, na sua vida de filósofo, a filosofia deixou de ser um enigma?" (op. cit. pág.22)

LUDWIG WITTGENSTEIN (1889-1951) - "Qual o seu objetivo em filosofia? - Mostrar à mosca a saída do vidro." (op. cit. pág.22)

MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961) - "A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo." (op. cit. pág.22) (op. cit. pág.22)

GILLES DELEUZE (1925-1996) e FÉLIX GUATTARI(1930-1993) - "A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos... O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência... Criar conceitos sempre novos é o objeto da filosofia." (op. cit. pág.22)